PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

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PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Acordo, e antes de tomar café, leio e-mails, reviso um artigo, leio um trecho de outro. Mas trabalho hoje? Eu que sempre fui um pouco workaholic, acho difícil descansar no Dia do Trabalho. Dia do trabalho ou dia das pessoas trabalhadoras? A data surge como homenagem às pessoas que lutaram por direitos trabalhistas. Então, nada mais justo: o dia é do trabalhador e da trabalhadora. Faço um café. Um pouco mais tarde do que nos dias de semana. Afinal, além de sábado, é feriado. Acho uma grande sacanagem um feriado no sábado. No café, me acompanha o noticiário. Eu sei. Nada aconselhável começar o dia com as notícias do Brasil em 2021. Na tela, estampada a realidade. Dois homens mortos por roubar quatro pedaços de carne. O café sem açúcar desce mais amargo do que é. A televisão segue o fluxo triste e bárbaro e ouço o depoimento: “Meu filho morreu com fome”, diz a mãe de um deles. Mas o que é que deu errado com a gente? Penso eu.

É TRISTEZA

Meu estômago se embrulha. Não é fome. É tristeza. Eu acabei de comer. Meu lamento de hoje se junta a outra notícia que me bateu dia desses. Porque, agora, é assim. As notícias não apenas chegam até nós: elas nos derrubam. O que me derrubou outro dia foi saber que mais da metade da população do Brasil – mais de 116,8 milhões de pessoas – não se alimenta adequadamente ou passa fome. Fome. E ao roubar para não morrer de fome, morre mesmo assim. Que fracasso que a gente é. Penso eu. O dia segue. Me blindo. Não quero mais contato com a aspereza da realidade. Hoje não mais. No almoço, ouço uma música. Mas, por mais que eu evite, outras notícias rondam, rondam e chegam até mim. E lá está ela, assustadora, no dia do trabalhador e da trabalhadora, a taxa de desemprego. Recorde: 14,3 milhões de pessoas procuraram por um trabalho e não encontraram.

AVALANCHE

No final do dia, ligo o rádio, e em segundos, uma avalanche. A Emenda Constitucional 81 de 2014, que pune com expropriação a propriedade rural que pratica trabalho escravo, não será regulamentada pelo atual governo, que considera que esta torna “vulnerável” a propriedade privada no Brasil. Antes mesmo que eu pudesse respirar, desligar ou trocar de estação: Brasil, dia primeiro de maio de 2021, mais de 400 mil mortos pela Covid-19, pessoas aglomeram-se, sem máscara, e manifestam-se contra medidas sanitárias de proteção, pedem voto impresso e intervenção militar. E, em pleno dia do trabalhador e da trabalhadora, a gente não teve um minuto de descanso sequer.

Eu aviseiEni Celidonio Professora universitária

Eu não sei vocês, mas eu detesto filme dublado. Eu prefiro mil vezes o filme legendado. Pode ser alemão, japonês, eu prefiro ler as legendas, e eu explico a razão: vocês já repararam a voz das dublagens? Parecem com as vozes daquelas pessoas que dão aviso nos supermercados: “fulaaaaano de taaaal comparecerrr na seção de enlataaaadóóóóósssss”!

E tem pior: as dublagens falam de um jeito que eu duvido que alguém fale! É assim: numa perseguição o perseguidor grita “peguem-no! Prendam-no”, e o bandidão ordena a seus capangas “matem-no”! Fico imaginando um chefe do Crime Organizado, num morro qualquer, falando: “Vocês não ouviram? Matem-no, ou eu mesmo castigar-vos-ei”!

Sério, a última pessoa que eu vi falar assim foi o ex-presidente Jânio Quadros. O lema do seu governo era “A vassoura em ação”; fosse candidato hoje, a vassoura só não resolveria, tinha que ter aspirador potente. O melhor eram as suas falas, era uma tal de próclise, ênclise e mesóclise que dava nos nervos, tipo “Bebo-o porque é líquido, se fosse sólido comê-lo-ia”, “fi-lo porque qui-lo”, e por aí ele ia falando com um preciosismo que matava a gente de vergonha. Matava né, porque hoje, o povo viraria as costas e ia ouvir um pagode, um funk ou coisa mais digerível.

COLETIVOS

Isso tudo me lembra meus áureos tempos de professora de uma escola de Itaara, o Neíta Ramos, que mudou de nome com a emancipação do município, desligando-se de Santa Maria. Eu trabalhava lá todas as tardes, dando aulas para quintas e oitavas séries. Eu tinha acabado de me formar, fiz o concurso e assumi na escola sem nem ter tempo de respirar. Claro que, como todo recém-formado, ia resolver todos os problemas da educação no país. Conversei com o coordenador e vi que os programas eram enormes, mas tudo bem, eu daria conta.

Chegou o dia dos pronomes de tratamento, tudo ia muito bem até que começaram os “vossa majestade”, “vossa eminência”, “vossa santidade” e um aluno levantou o dedinho e me preguntou: “Profe, a senhora sabe quando eu vou encontrar com um Papa aqui em Itaara? Fala sério…. Pra que eu tenho que saber isso?”, e eu rebati dizendo que ele tinha que saber, assim como ele sabe o que é um metrô, mesmo que nunca ande em um, sem prova, sem teste, só para saber mesmo. E o pretérito mais que perfeito? Que usa “experimentara o sapato antes de comprar?” Nossa! Eu só levava trombada. Então resolvi ensinar dentro do programa, mas avisando que não era para decorar, mas só pra saber mesmo.

E chegaram os coletivos! Eu avisei milhares de vezes: é pra vocês saberem, porque ninguém mais usa farândola, magote, matula ou girândola, mas um monte de gente, de vadios, de foguetes. E, assim, iam as aulas. Um belo dia, uma aluna veio me dizer que estava numa situação delicada. Depois de um tempo de namoro, foi almoçar com a família do rapaz, na colônia e, para agradar a futura sogra e as tias do namorado, me saiu com essa à mesa:

– Estou encantada com a vara do seu marido! Bem tratada, gordinha, uma beleza!

Deve estar até hoje explicando que vara é coletivo de porcos…

Eu avisei!

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